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terça-feira, 1 de abril de 2008

Engarrafamento

Calor insuportável. Parece que a direção, o painel e até o carro vão escorrer ali, bem na minha mão. O sol faz a gente ter a sensação de que o asfalto está derretendo e evaporando assim, a olhos vistos.

A fila de carros na minha frente é inacreditável, assim como a que está atrás de mim e a que está ao meu lado. O som do carro está ligado num volume que normalmente me deixaria irritadíssimo, mas com o ar condicionado ligado no máximo e com essa sinfonia desafinada de buzinas descoordenadas não tinha mesmo muito jeito.

Lá de longe vejo o menino vendedor de balinhas. Ele as pendura apressadamente nos retrovisores dos carros. Ninguém nem olha, tirando aquela senhora gorda que já comprou tudo que passou por ela.

Ao meu lado, um menino de no máximo 20 anos canta alegremente com as janelas do carro meio abaixadas e com fones de ouvido. Como ele está agüentando o calor sem um ar condicionado? Como é que pode ele estar assim cantando? Como é que alguém pode ficar feliz num engarrafamento?

Me sinto irritado com a alegria desta criatura e acho que olho demais pra ele. Ele está me olhando de volta. Fico envergonhado por ter sido pego em flagrante, sentindo um misto de raiva e inveja dentro de mim. O rapaz, por sua vez, sorri pra mim. Aquilo é como um tapa na cara, mas eu tento me controlar e olho para baixo.

Merda! A minha calça está com uma mancha branca. Que diabos foi isso? Só pode ser pasta de dente. Pego o primeiro papel que alcanço e esfrego com força na calça pra ver se pelo menos disfarço. Secretamente, penso que estou esfregando a o sorriso na cara do cara ao lado, tentando apagá-lo.

O menino das balas chega até o meu carro, mal chega e já vai. Agora só vou vê-lo quando ele voltar recolhendo. Acho que esse não é aquele de sempre. Será que aconteceu alguma coisa com o outro? Há dois anos vejo esses meninos aqui e sequer sei o nome deles.

Por que as rádios têm tanto falatório? Se eu quisesse ouvir alguém falando, deixaria na CBN. Aliás, vou fazer isso. Pelo menos assim ninguém grita no meu ouvido que eu posso comprar isso ou aquilo em infinitas prestações.

Lá vem o menino recolhendo as balinhas. Olho pra ele e faço que não com a cabeça. Descubro que é o mesmo, mas com o cabelo cortado. Isso, de algum jeito me alivia.

O cara ao lado parece ter trocado de música. Agora só cantarola sem se movimentar tanto. Não era possível mesmo que aquela empolgação durasse pra sempre. Ainda mais aqui. Ainda mais agora.

Penso no quanto eu sou ridículo por me sentir melhor ao ver que meu vizinho de engarrafamento não está mais feliz. Além de estar estressado quero que todos se estressem também. Isso me deixa bastante envergonhado.

Olho para o rapaz, que olha novamente pra mim. Sorrio pra ele e ele me olha com a testa franzida, como se eu o tivesse paquerando ou algo do tipo. A vontade que eu tenho é de gritar que não é nada disso. Que só quero que ele fique feliz de novo. É lógico que não faço isso, mas ele vira a cara e parece que não pretende sorrir e nem me olhar nunca mais.

Graças a Deus o carro começa a andar, mas logo depois para de novo. Pelo menos um alívio: o meu vizinho de engarrafamento é outro. E está bem nervoso!

Um comentário:

Renata Bonasio disse...

Obrigada pelo link! bjs

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