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sábado, 28 de agosto de 2010

Saudade

Hoje li uma frase no twitter de pensador Caio Fernando Abreu que dizia: "Ai. Saudade é uma coisa azul e amarga com carne por fora e espinho por dentro" e me deparei com a triste realidade de que este é o sentimento que ocupa maior parte do meu corpo, alma e coração.

E é bem isso mesmo, saudade é coisa doída, que maltrata aos poucos e aos muitos e, como disse Caio Fernando, é amarga, triste e machuca sem avisar que vai machucar.

Sinto tanta saudade sempre dos que amo e moram tão longe, daqueles que eu quero abraçar, ver, tocar e simplesmente não posso. Saudade de cheiros, da voz e dos abraços. Como sinto falta desses abraços.

Essa dor mais doída ainda consegue vir rodeada de outras faltas menores. Falta de quem eu era, dos lugares que frequentava, da comida da vovó, dos amigos e brincadeiras de infância, dos sentimentos passados, dos sentimentos não realizados. Daquele calafrio quando segurava a mão da paixão da vez, da ansiedade para ver logo a cara dos meus pequenos, de entrar pela primeira vez em uma sala de aula na faculdade.

São tantas grandes saudades, misturadas a pequenas saudades que nem sei se consigo dizer que sou alguma coisa além desse sentimento.

Mas talvez eu seja, porque mesmo com toda essa montanha de ausências, sou uma pessoa feliz e que está sempre esperando o momento de matar essas saudades para depois senti-las de novo.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Máscaras

Quem é você de verdade, quando ninguém, nem mesmo você, está prestando atenção?

São tantas máscaras vestidas e retiradas diariamente que, provavelmente, você já nem se lembre muito bem.

Há aquelas que sua mãe e seu pai querem que você vista para te proteger do mundo, da frustração deles mesmos e aquela que você usa para eles tentando se aproximar de todos os desejos dos dois.

Há as máscaras dos relacionamentos. Todas elas e cada uma que você moldou e foi remendando ao longo de uma paquera, um namoro, um casamento.

Há máscaras para que os filhos não vejam defeitos e fraquezas, para que o chefe te enxergue mais confiável e eficiente. Para os amigos, que precisam te ver cada um de uma maneira diferente; para os vizinhos, que muitas vezes você não queria ter; para o porteiro que te vê chegar em situações e sair em momentos que não precisavam ser testemunhados e também para cada um dos seus parentes próximos, parentes distantes e agregados.

É algo tão imanente a você, tão parte da sua personalidade que já é impossível dizer onde uma começa e a(s) outra(s) termina(m). E, por mais que você não queira, ela está lá até quando você se olha sozinha no espelho.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Olhar

José e Antônia sentiam um prazer engraçado na platonicidade da relação que tinham.

Se gostavam mas, por qualquer dessas bobagens que as pessoas inventam dentro delas, resolveram que não ficariam juntos e passavam os dias próximos, com muita coisa em comum, mas mantendo uma distância quase sádica.

Tinham seus momentos e viviam suas histórias particulares, mas sempre esperando a hora de voltar, de estar junto de novo e de se encontrar naquele olhar.

Um dia Antônia não voltou. Pelo menos, não por um bom tempo. E a saudade até apertava nos dois, mas a volta não acontecia e aquele olhar foi morrendo aos poucos e os momentos juntos já não eram mais a mesma coisa.

Não muito depois, o "nós" já não existia e a platonicidade virou o convívio desinteressado mesmo. José já não estava mais lá.

E foi assim, sem esperar nada que os dois, por acaso, se tocaram de novo de um modo antigo e se olharam nos olhos. Uma, duas, várias vezes.

Foi o suficiente.

domingo, 22 de agosto de 2010

Acreditar

Porque ela era mesmo meio louca e via coisas demais onde não existia nada. Porque as interpretações de situações comuns foram tantas vezes erradas. Porque sempre foi assim e não ia mudar de uma hora para a outra.

E sempre dava certo porque, antes de tudo, ela acreditava. E as coisas simplesmente aconteciam como ela queria que acontecessem, por mais que tivessem sido recém-inventadas e percebidas por sua cabecinha de vento sonhadora.

Com o passar do tempo isso mudou. Ela continuava vendo errado, mas as coisas estacionaram. Nada mais acontecia do jeito que ela esperava. Nada mais se concretizava ou chegava perto de ser aquilo que ela programava em sua cabeça.

Só porque, de uns tempos para cá, apesar de ainda se permitir sonhar, ela não acreditava mais nela.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Recaída

Consegui passar uns 12 dias sem pensar nessa história, sem prestar atenção. Resolvi que ia deixar para lá e focar em coisas e situações completamente diferentes. Aí você percebeu e resolveu que ia mudar isso. Ou não percebeu nada e só continuou sendo o que sempre fora. Ou simplesmente sonhei demais e vi o que não devia. Agora estou eu aqui com esse aperto no peito e essa agonia na boca do estômago, esperando a hora de te encontrar de novo.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Folha em branco

Nada é tão angustiante como ficar parado em frente à uma folha em branco quando você realmente precisa escrever. Ela está quietinha olhando para você, mas o sentimento é de uma interminável sessão de tapas na cara, quase como em uma tortura previamente planejada.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

De boca em boca

Já não era nenhuma novidade que a língua da Letícia não cabia em sua própria boca. Não porque fosse anatomicamente grande, mas porque ela não conseguia guardar tudo que sabia para si.

E não importa que os fatos a serem narrados dissessem respeito à ela, precisava falar, colocar para fora, contar tudo nos mínimos detalhes. Sem que sentisse, lá estava ela passando para frente alguma experiência sua ou de qualquer outra pessoa e sempre exercitando o seu lado comentarista. Porque não basta contar, tem que comentar.

Era assim agora, como sempre fora. E suas histórias de vida iam, cada vez mais, se tornando histórias de domínio popular. Porque gente que fala demais parece ter um imã e só se relaciona com gente igual.

Gente como Marília, nova colega de trabalho, que também não conseguia guardar nada só para si. Ou Carlo, o colega mais próximo de Marília, que quase não conhece mais o tamanho da própria língua. Ou Fernando, o melhor amigo de Carlo. Ou Soraia, a mulher de Fernando. Ou Marcela, a filha do primeiro casamento de Soraia.Ou Toby, o linguarudo cachorro mais novo de Marcela.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O tempo passou

Os dois se reencontram e, sem muito esforço, lembram-se dos muitos momentos que passaram juntos e de todas as vezes que não se tocaram por qualquer motivo idiota, do quanto eram imaturos e têm, agora, a consciência de todo o tempo que perderam.

E, por não terem mais muita opção, riem de tudo isso.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Insônia

A hora já passou há muito tempo, mas ele ainda não conseguiu dormir. O corpo está exausto, mas o aperto na boca do estômago e o ritmo alucinado de seus pensamentos abafam o silêncio da madrugada e o deixam cada vez mais desperto.

Entre seus devaneios frenéticos, a imagem dela é a mais constante. Com gestos e palavras analisados minuciosamente, ele sofre por não conseguir mantê-la longe de sua mente, por não saber entendê-la, por não conseguir esquecê-la e por não saber o que é tudo isso que está acontecendo.

Ele sabe, ou pelo menos sempre soube, do que gosta e nada se parece com ela, que consegue ser muito e pouco ao mesmo tempo; um sonho realizado e um pesadelo; a maior das desgraças e o menor dos problemas.

A relação inexistente dos dois contrasta com todo o conhecimento que eles têm um sobre o outro, com a saudade e o ciúme que ele sente e torce para que ela sinta também, com a vontade perceptível para qualquer um que ambos têm de passar o maior tempo possível juntos.

E entre as muitas voltas que dá na cama, se enrolando no cobertor, ele formula novas teorias e revê, pela milionésima nona vez, a imagem dela sorrindo para ele e se sente perdido em seus olhos, como costuma acontecer quando estão juntos.
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